segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O défice de diálogo na ciência:




O diálogo é uma forma de comunicação livre entre duas pessoas. Em muitos sentidos, é a forma de comunicação por excelência!
Difere do monólogo – que é outra forma de comunicação na qual só um fala – exactamente porque exige a participação empenhada de duas pessoas. No ensino em geral e, na Filosofia onde constituía o núcleo essencial do Método Socrático e do de outros filósofos como Sto. Agostinho, é de importância capital, já que é amplamente reconhecido que só a verdadeira partilha de ideias e pontos de vista leva à aquisição real de conhecimento!

Nas ciências em geral e nas ciências naturais em particular, a situação não é diferente. Nestas últimas no entanto, certos fenómenos característicos das comunidades científicas são particularmente influentes no que diz respeito ao tipo e qualidade dos diálogos encetados. No caso de uma ciência como a Física, que envolve a compressão e utilização de conceitos e técnicas muito complexos e cujos significados só são adequadamente entendidos pelos membros da comunidade, é de esperar que se verifiquem dois fenómenos interligados, mas que terão um efeito crucial na comunicação pelo diálogo: (i) em geral a destreza intelectual dos físicos na manipulação dos conceitos próprios da física e áreas afins, como sejam a Matemática a Informática e outras é muito grande. Ou seja de modo mais simples os físicos são em geral bastante inteligentes (no entanto a inteligência é um fenómeno factorial, multifacetado muito complexo) no que diz respeito a tarefas lógico-formais. (iii) Também de uma forma geral, quer dizer há excepções, os físicos ignoram quase na totalidade, ou têm uma ideia muito malformada de tudo o que diz respeito a áreas diferentes da deles por exemplo de Humanidades em geral, chegando mesmo em não poucos casos a ter um desprezo algo preconceituoso por ciências de pleno direito como a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia a Linguística, já para nem falar em actividades diferentes da ciência como a Filosofia. No fundo, estas duas características, são o retrato de um grupo humano muito especializado e, que em geral não tem disponibilidade intelectual para embarcar em indagações que levem para muito longe do seu ponto de origem! Esta situação é também sintomática de uma certa visão (acabada) da ciência, própria do oitocentos de Conte e, que considerava inocentemente que a física era o paradigma das ciências e, que a sociologia seria uma física social!

Pois bem, este estado de coisas propicia um ambiente no qual cada um tem a percepção de que é, dono e senhor do conhecimentos, na medida em que sabe física e campos afins e, mais ainda que o conjunto de saberes no qual a pessoa é proficiente esgota totalmente o real, mesmo até ao ponto de o deixar exangue! No fundo, tudo se passa come se existisse um complexo de superioridade, mas este manifesta-se tanto a nível individual como ao nível de grupo.
Faço aqui uma pausa, para esclarecer que obviamente no domínio estrito da física, um físico tem o direito (e talvez até o dever), de se sentir mais habilitado do que um filósofo, por exemplo. No entanto, a esmagadora maioria das conversas e diálogos quotidianos não versam sobre assuntos nem de física nem remotamente redutíveis a ela. Por exemplo, numa conversa acerca da Radiação de Buraco Negro, de Supercondutividade do Principio de Exclusão de Pauli, um leigo não poderá ter a pretensão de bater-se “de igual para igual com o físico”. Mas em contraste, se falarmos da Globalização, da Modernidade/Pós-modernidade, da Crise do Subprime, neste caso o físico não pode de maneira nenhuma ter a veleidade de pensar e agir como se o seu saber ao nível da física e das ciências naturais em geral lhe dessem qualquer tipo de vantagem natural! Ora malogradamente é exactamente isto que acontece! Quem frequenta os ambientes científicos, sabe que a crítica mais frequente a um professor/conferencista/palestrante é: “ele fala para se ouvir”. E, que a atitude mais comum perante uma excelente exposição de um dado assunto (quer a nível pessoal, já que tratamos aqui de dialogo quer, também a um nível colectivo de palestras) é, precisamente fazer tudo o que um bom conversador não deve, que é : interromper de modo a não deixar falar; discordar de uma maneira brusca e até mesmo em alguns casos acintosa; expor opiniões contrárias como se fossem verdades absolutas¸ e logo num assunto com a ciência onde não há absolutos; recorrer a uma forma de argumento de autoridade encapotado, que consiste em citar alguém mediático.

Por estas razões e, muitas outras que exigiriam um estudo alongado de sociologia da ciência, poder-se-ia por exemplo encetar algo ao longo das linhas traçadas por Erving Goffman no seu excelente trabalho “A apresentação do eu na vida de todos os dias”, julgo que há um défice de diálogo entre os cientistas.




Este só pode ser colmatado tendo em conta que: “Não há investigação, avanço no domínio científico sem discussão, trocas de ideias, imaginação sem entraves, elaboração livre de modelos etc. O que supõe necessariamente liberdade de pensamento, e de opinião. ” (José Gill, Portugal Hoje: O Medo de Existir, Relógio D’Água).







De facto, a liberdade, a pluralidade, a reciprocidade, o respeito pelo outro como igual são na sociedade em geral mas, muito particular e urgentemente, necessários na comunidade dos cientistas, se é que se pretende produzir algum tipo de saber científico e, encetar o hoje em dia tão badalado progresso.

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