terça-feira, 24 de maio de 2011

Agnosticismo: o medo do compromisso!





A citação do Catecismo da Igreja Católica no meu último post, falava em preguiça em indiferentismo e, em fuga, para descrever uma atitude - o agnosticismo - que nega totalmente a possibilidade de conhecer Deus, a alma e toda a realidade metafisica em geral.

Estes termos, indiferentismo, preguiça, fuga, estão no campo semântico de outros tantos como adormecimento, torpor, sonolência, laxismo, lassidão e, até talvez o extremo de trauma e, medo. Assim, neste post, desejo dar a minha opinião acerca daquilo que constitui o agnosticismo do ponto de vista psicológico e, social.

A psicologia e a sociologia, são duas Ciências Sociais de pleno direito, com uma epistemologia muito diferente daquela que poderia ser invocada a propósito das Ciências Naturais. Muitos autores definiram, ou melhor tentaram definir, esta epistemologia como uma teoria crítica, em oposição a um mero carácter positivo do conhecimento. Parte desta epistemologia, quer se lhe chame, teoria crítica que não, é a multidisciplinaridade quer dizer: um problema que diga respeito a pessoas e sociedades, deve ser tratado sob o ponto de vista simultâneo de varias disciplinas. No nosso caso temos a sociologia e a psicologia, numa interacção segundo a qual num dos termos temos o comportamento de grupo e, no outro do comportamento individual respectivamente. Tudo isto, claro, é ainda simplificado pois o objectivo deste post não é discutir a epistemologia das Ciências Sociais.

Assim, parece-me que no extremo psicológico, há uma razão principal para a emergência do agnosticismo, é o medo do compromisso. Tanto a fé num Deus criador como negação peremptória desse mesmo Deus, acarretam responsabilidades. Começo pelo caso do ateísmo, a negação completa de Deus, implica "que tudo se joga aqui", como dizia Paulo Flores D'Arcais no livro Deus Existe?





Mas, esta posição frontal (que exige coragem) é demasiado difícil para o típico individuo contenporaneo! Este preferiria, caso fosse possível, jogar nas duas equipas - assim ganharia sempre! Esta posição exige do Ser Humano o comprometimento completo com este mundo e a sua ordem material, mutável e, incerta. Ora é de um problema de comprometimento que estamos a falar!

Quanto à posição oposta, é bem sabido que um dos primeiros deveres da Fé é a obediência, ob audire, quer dizer: quem ouve a Palavra de Deus deve agir em consonância com o que ouve caso contrário não adianta nada... CIC 144 É claro que esta obediência é livre e racional e, também é claro que Jesus disse "o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve" (Mateus 11:28-30), mas para o Homem de hoje nada disso parece ter efeito. Logo que se lhe fala em "Não mater"; "Não cometer adultério", "Não adorar outros deuses" etc, ele treme de medo porque julga que é levando uma vida hedonista que será feliz!.. Julga que se ganhar a lotaria, não trabalhar, se tiver quantas mulheres (respectivamente homens) quiser, que se não tiver que se preocupar com comer e pagar as contas, porque tem em abundância, que isso o fará feliz!

E pronto, psicologicamente este medo do comprometimento conduz a uma espécie de trauma. Logo que se fala em matrimónio indissolúvel e monogâmico, ou no celibato dos Padres; quando se fala em ter filhos em vez de fazer abortos; quando se fala em sofrimento de qualquer tipo, o Homem contemporâneo, hedonista treme de pavoroso horror! Mas por outro lado, a ideia de perseguir a Igreja e, de a destruir activamente (como na Rússia) felizmente também já não colhe aquela massa de adeptos fervorosos de outrora.

O Homem de hoje deseja sentar-se no muro e não decidir. Eles que lutem uns com os outros e logo quando for preciso tomar uma decisão, logo se verá!



Tudo isto tem no entanto e, sempre na minha modesta opinião, que ver com o fenómeno social da liberdade mal entendida. Socialmente, a ênfase está na exaltação da liberdade, no sentido simples de se poder fazer o que se quiser. Ora na medida em que a Fé nos impõe regras mas, o ateísmo impõe outras tantas limitações, (como, a quem é o homem e a mulher comuns recorreriam quando algo muito grave se abatesse sobre eles? a Deus claro está), a visão das mulheres e dos homens de hoje leva-as(os) a não se pronunciarem sobre a existência de Deus! Ter liberdade para decidir! A "liberdade da consciência" ! Tudo isto brota numa má interpretação da liberdade (que é uma grande conquista da Humanidade) e, que deve mais correctamente ser olhada em paralelo com a responsabilidade. A liberdade é algo que nos foi dado com o objectivo de escolhermos o melhor não o pior. Embarcar numa corrida desenfreada de loucuras tresloucadas até à vertigem, não é tanto expressão da liberdade como do pouco critério e, até se me permitem da irracionalidade. Esses dizem: "A minha liberdade, a minha liberdade! Têm-na e não a seguem;" São Josemaría Escrivá, em Amigos de Deus.


É claro que o problema é de certeza mais complexo e, terá muito mais matizes. Uma excelente proposta está aqui. Mas, seja como for, um medo psicológico de qualquer compromisso aliado a uma insistência numa liberdade que é entendida como libertinagem, parecem-me as causas mais evidentes de para não querer lidar com o problema da existência de Deus e dizer-se agnóstico.

Em tudo quanto acabo de dizer falo do homem e da mulher comum, quer dizer da rua, não do filósofo, nem do intelectual. Para alguns desses (não todos claro, porque a razão não é má, se fosse caiamos num fideismo) o problema está noutro lado, na auto-idolatria, no orgulho que não os deixa ver nada superior a eles próprios! Mas isso fica para um próximo post.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O crepúsculo do iluminismo:




Todos nós já tivemos a experiencia de estar num debate, ou numa qualquer conversa com alguém que procura defender o indefensável. Acontece também que, a maior parte das vezes essa pessoa chega a um ponto no qual se recusa simplesmente a abordar a questão, procura pelo contrário desvaloriza-la, reduzi-la a um mal-entendido, ou tenta dar-nos razão sob um ponto de vista menor e, com uma argumentação falaciosa. Neste momento, dizemos para nós próprios: “não quer debater porque sabe que está errado” !.. E, não raras vezes, é verdade! Quer seja consciente ou inconscientemente o nosso interlocutor sabe serem falsos os seus pressupostos e conhece a futilidade da sua argumentação.

Pois bem. Esta é exactamente a situação (na minha opinião claro), no que diz respeito aos limites da razão, discussão intemporal mas que nos séculos XVII e XVIII foi levada a extremos inauditos. Neste período histórico, certos pensadores, tais como Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Locke, Diderot, só para mencionar alguns, proclamaram (não todos juntos obviamente porque o Iluminismo foi um movimento social complexo), que a Idade das Trevas havia terminado e, que doravante o Homem seria libertado das superstições (entre as quais a Religião seria uma das principais) e, entraria numa fase de progresso impulsionada pela Razão!

Cientificamente, eles partiam daquilo que na mina opinião são sucessos alheios! Quero dizer com isto que, as figuras concretas nas quais eles se inspiraram para proclamar o primado da razão, que foram Galileu, Kepler e, Newton, eram todos homens profundamente crentes! Galileu, para esclarecer um mal entendido, era Católico devoto, apesar da célebre e complexíssima questão que o opôs ao Santo Oficio. Kepler havia estudado com o fim de ser Sacerdote e desejava continuar os seus estudos para aprender Teologia e, Newton acreditava em Deus e escreveu até extensamente sobre o assunto! Estes homens em especial o brilhante Isaac Newton, partindo das evidencias científicas ao seu dispor, erigiram uma visão mecânica do mundo, que contrastava com a visão orgânica de inspiração aristotélica/tomista e, que havia influenciado a Europa durante séculos. Desta visão mecânica – que vê os fenómenos como peças de uma máquina – até uma concepção totalmente mecanicista – que julga que o mundo são só essas peças – o caminho foi curto e rápido! Muito rapidamente, a arrogância do "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse-là" laplaciano fez-se soar, com estridente ribombar, marcando a aparente inutilidade da hipótese de deus!

O projecto iluminista/racionalista, os dois termos não são o mesmo mas estão muito relacionados, consistia em tornar a razão o único bloco do conhecimento da realidade. Mas como esta parte sempre de pressupostos, este projecto acabou na negação de tudo no niilismo. Como afirmou João Carlos Espada, um dos problemas “reside na colossal ambição do racionalismo dogmático que subjaz ao ateísmo: a de que a razão pode fornecer pressupostos isentos de pressupostos. Mas a razão não consegue explicar porque existe algo em vez de nada. ” in Expresso 21.04.07.

Neste lastimável estado de coisas, chegou-se ao século XIX. Aí (a par com um projecto positivista completamente megalómano), a razão lançou as sementes, para o ocaso da razão! Quero dizer, os descendentes intelectuais e seguidores de quantos tinham no iluminismo proclamado em altos brados não só o primado mas também a total hegemonia da razão, passaram a defender agora que uma parte do real não é racionalmente escrutinável!

Defende-se agora, que Deus já não é uma hipótese inútil, mas alguém que não se pode conhecer pela razão. O credo agnóstico é este: não nego nem afirmo a existência de Deus! De facto, o “ agnosticismo pode, por vezes, encerrar uma certa busca de Deus. Mas pode igualmente representar um indiferentismo, uma fuga perante a questão última da existência e uma preguiça da consciência moral. Com muita frequência, o agnosticismo equivale a um ateísmo prático. ” Catecismo da Igreja Católica 2128.

Este problema, o do agnosticismo, que tem ramificações múltiplas e variadas, pode ser analisado de vários ângulos: do ponto de vista filosófico; como um fenómeno social; nas suas causas psicológicas, etc. É exactamente este itinerário que nos propomos fazer nos próximos posts.

Espera-se assim lançar alguma luz, sobre um problema que tanto afecta a sociedade actual e, que do nosso ponto de vista assenta no medo do compromisso, numa sociedade desestruturada e, num medo paralisador de qualquer compromisso pessoal.