terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Pela Mão de Auguste: Entre o mito positivista e, o fim das meta-narrativas

"When I examine myself and my methods of thought, I come to the conclusion that the gift of fantasy has meant more to me then my talent for absorbing positive knowledge"

Albert Einstein.



Pintura de H. Rouseau, "o Porto de Ivry". Onde se mostra no topo um dirigivel.


Parte I: Prólogo

O século XIX foi o século da razão como panaceia para todos os males! De facto, no oitocentos, as ideias do iluminismo atingiram o seu auge, levando a uma confiança na razão, tal que só poderia vir da elevação de uma interpretação do conhecimento cientifico e técnico, a uma condição de nova religião. Foi o século da razão iluminista levada às suas ultimas consequências.
Este clima, de fervorosa crença nos miraculosos poderes de uma certa ciência, levou a que, de todos os quadrantes (políticos, intelectuais etc), ecoasse um brado que proclamava que este novo conhecimento levaria a Humanidade (dos homens e das mulheres, diríamos hoje), a um ressurgimento civilizacional cujas proporções nunca tinham sido antes vistas. Apregoou-se de altos e doutos lugares, que nunca mais a Comunidade dos Homens retrocederia. Nunca mais haveriam doenças que matariam milhares ou milhões sem que nada se pudesse fazer, porque, a ciência traria à luz da razão as leis da vida, dos seres -- tanto animado como inanimados -- , as causas dos males que tinham até então chagado os homens e mulheres. O Progresso, propulsionado pela razão, pela ciência e técnica nunca mais cessaria até que todos os inimigos milenares fossem vencidos. Também aqui, se poderia, agora de maneira iluminada, tirar um paralelo às antigas crenças e dizer que o último inimigo a ser vencido haveria de ser a morte! Finalmente os Homens poderiam abandonar as antigas crenças, fruto de anteriores épocas eivadas de trevas, agora, agora seria só a Evolução que, tal como nas espécies animais, levaria o homem mais apto, a criar uma sociedade de vencedores…

Mas, eis que nos “apanhamos a existir”, como diria Sartre. E a existir, num século XXI onde – não todas claro, seria loucura dize-lo – mas a maioria das coisas têm permanecido fixamente imutáveis! Mais ainda, se folhearmos um livro da História do século XX, vemos para grande espanto, que este foi atravessado de lés-a-lés por duas Grades Guerras, uma das quais acompanhada de um genocídio mais próprio dos Assírios da antiguidade, ou de Genghis Khan, do que dos herdeiros do século do Grande Optimismo! Feito o rescaldos destas, o mundo ficaria dai em diante prisioneiro de uma divisão, que passaria a opor, duas visões, (politicamente antagónicas, mas ideologicamente irmãs), ambas saídas do Iluminismo: por um lado, o Capitalismo herdeiro do Liberalismo Económico e, por outro, os Comunismos/Socialismos que tentaram interpretar à sua própria maneira as ideias de Marx. Por causa deste conflito, utilizou-se o conhecimento cientifico para construir as armas mais destrutivas alguma vez vistas. O armamento nuclear, capaz de nos fazer regredir à pré-história não pode deixar de aparecer como, uma das ironias mais sonantes de um século em que se proclamou que a ciência nos salvaria e, veio antes a proporcionar os meios para a nossa (sempre pendente), destruição!

9 de Fevereiro de 2010.


Parte II A “Religião da Humanidade”

"These philosophers are always with us, struggling in the periphery to try to tell us something, but they never really understand the subtleties and depths of the problem"
Richard P. Feynman "The Feynman Lectures on Physics", vol. I, 16-1.


A razão é, sem dúvida alguma, um potente e aguçado instrumento posto ao serviço do Homem! Tanto assim é que, aqueles homens ou mulheres que primam pelo uso da força, que conduzem os seus assuntos quotidianos pelos ditames de uma superioridade física que porventura lhes permita ocasional ou temporariamente, impor de maneira arbitraria, a sua vontade, são justamente considerados incivilizados, pouco urbanos e, bárbaros até! Poder-se-á mesmo dizer que, tais indivíduos não concretizam todo o potencial que encerram como homo sapiens sapiens! Ou, se quisermos adoptar uma linguagem mais social, que têm a ver com as boas maneiras a educação e, o civismo. Nesta mesma linha de raciocínio, os sentidos, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo social e, humano como um todo. Já lá vão as velhas e intermináveis disputas filosóficas entre racionalismo e empirismo, ou entre inatistas e ambientalistas que ainda que historicamente muito relevantes e consequentes estão talvez um tanto ao quanto esgotadas!
Há, no entanto, uma diferença capital entre, dar a justa importância ao conhecimento racional e, aos sentidos como via de aquisição deste por um lado e, por outro, tomar grosseirissimamente a parte pelo todo ao assumir que todo o conhecimento é racional e provem dos sentidos! Contudo, isto é exactamente aquilo que pretende afirmar – e, em que pretende que acreditemos – a doutrina positivista. Dito de outro modo, afirma que, a experiencia dos sentidos é o único objecto do conhecimento humano, bem assim como o seu último, verdadeiro e supremo critério de validação.
Neste sombrio quadro, as noções abstractas não são mais do que noções colectivas; os juízos não mais do que coligações empíricas de factos; e, ainda que os positivistas tenham tentado, no campo do raciocínio, introduzir o uso da indução e do silogismo, sucede porém que, com a primeira reduzida a concluir não mais nem menos do que a colecção das características sensorialmente verificáveis das premissas e, o último tomando as conclusões da primeira como ponto de partida, ficamos na esterilidade ou, pior, entramos num terrível circulo vicioso! É claro que, se aceitamos “tamanha coisa”, temos que aceitar a negação total da metafísica, da ciência como conhecimentos das causas (talvez finais) da realidade. O positivismo é assim, uma tosca e rude forma de empirismo, de nominalismo e de associacionismo!
Dada a introdução desta minha crítica, bem se nota que o positivismo é uma corrente filosófica totalmente imbuída do “espírito oitocentista”. Nisto, não podemos encontrar nada de mal, se este não se tivesse tentado constituir como único fundamento filosófico e, até certo ponto ideológico, do conhecimento cientifico! Mas o positivismo pretendia ainda mais, pretendia, para começar, que existe um escalonamento das ciências, isto é, que existiriam cinco ciências fundamentais «cuja sucessão é determinada por uma subordinação necessária e invariável, fundada, independentemente de toda a opinião hipotética, sobre simples comparação aprofundada dos fenómenos correspondentes. São elas a Astronomia, a Física, a Química, a Fisiologia e, finalmente a Física Social.» (Conte, “Filosofia Natural”). Ou seja, cada ciência iria – segundo Conte – , impondo os seus métodos àquelas que lhe sucedem mas, nunca no sentido inverso! As expressões “necessária … invariável … independentemente de toda a opinião hipotética ”, parecem assumir a meu ver, um travo fortemente ideológico e politico, são mais próprias de um manifesto do que da descrição do conhecimento cientifico. Alem disto, a lista das ciências apresentadas por Conte é, no mínimo pequena, não há menção de nenhuma ciência social à excepção da Sociologia à qual é dado o nome tendencioso de Física Social!
Se isto não for quanto baste, Conte propõe que a Humanidade como um todo – como as ciências em particular –, passam por três fase distintas de evolução, a saber: a teológica, a metafísica e, a positiva. Nestas fases, as ciências (ou a Humanidade), libertar-se-iam progressivamente de crenças religiosas vistas como irracionais. Esta curiosa ideia, se não revela – a meu ver – nada sobre a evolução da Humanidade, revela muito sobre o quão pouco Auguste Conte sabia de História. Alguém, talvez um professor ou coisa assim, devia ter explicado ao Sr. Conte, que em quase todas as épocas históricas coexistiram as duas primeiras atitudes e, um certa visão dos fenómenos a qual ele classificava de “positiva”. Na Grécia Antiga, onde diz o folclore filosófico-científico, não houve ciências experimentais, encontramos pessoas que mediram coisas, a posição dos corpos celestes, os ângulos de defecção da luz na agua, o tão das notas musicais etc. Que esta atitude não fosse dominante e, porque não o era é outra questão completamente diferente! Quanto à Teologia e, a Metafísica elas são basicamente a mesma coisa, a Ontologia (que é outro nome para a Metafísica), é uma reflexão filosófica acerca da existência. Ora Deus como suprema existência, é do domínio da Ontologia/Metafísica (ou talvez melhor, a Metafísica é que será do domínio da Teologia). É claro que, quando se tem um preconceito arreigado (e, o preconceito decerto que é uma coisa à qual não podemos chamar positiva!) estas coisas não fazem sentido nenhum e, é melhor esquece-las. Qual é o sentido de negar uma reflexão sobre a existência ie. Metafísica? Para que é que – e porque é que – alguém quer passar a maior parte da sua vida a aprender uma ciência (qualquer, incluindo as Ciências Sociais e Humanas), se não está interessado em coisas que existem e, em discutir se existem ou não? Se alguém quer enveredar por uma profissão de carreira tem bastantes outras escolhas que não o caminho da ciência. Pode ir para gestor, ou banqueiro, ou advogado, ou médico, não aprende coisas tão complicadas, não gasta a inteligência e, quando se reformar tem um chorudo “para quedas dourado”!
Mas, não podemos ser tão duros com Auguste! Ele até teve uma vida matrimonial bastante infeliz. Durante muito tempo padeceu de uma “paixão assolapada” por uma tal de Srª Clotilde de Vaux! É claro que assim este senhor não era lá nada feliz e, buscava no positivismo remédio emocional e afectivo para os seus males! Decidiu que, não estendo contente com a apresentação do positivismo como filosofia queria torna-lo em religião, a Religião da Humanidade! (Só mesmo no século XIX!...) Ora vejamos bem, aqui está, por assim dizer o “caldo entornado”! Pois se, a Humanidade se deve tentar libertar das religiões e, das crenças, segundo defendia tão douto senhor, pare quê criar outra? A crença, sobra a qual se baseia o positivismo, o Cientificismo ou cientismo – a crença de que tudo é explicável pela ciência – é tão (e a meu ver até mais), arbitraria do que as outras crenças!

Este é um dor erros capitais da filosofia positivista! Confunde conhecimento com ciência, é marcadamente cientista! Mais ainda, nem sequer é com toda a ciência que se confunde o saber, é antes, com as ciências ditas “naturais”. No século XX, uma das correntes epistemológicas que emergiu no seio das Ciências Sociais foi o anti-positivismo. Outra, a teoria, crítica, da Escola de Frankfurt, seria influenciada pelo anti-positivismo e, defende que os fenómenos sociais não são descritíveis nos termos dos positivistas. As pessoas, os grupos, as organizações e, as sociedades em geral, não se comportam de uma maneira mecânica, determinista nem sequer vagamente enquadrável nesta “matriz conceptual”. Pior ainda, como fica claro da citação de Albert Einstein em epigrafe na parte I, nem sequer as ciências Físicas (que seriam o suposto cume deste “monte carmelo” laico), nem sequer as ciências Físicas, dizia eu, se encaixam nisto. Senão vejamos: o mecanicismo morreu, (paz à sua alma!), o determinismo também não sobreviveu (esteja também em bom descanso), o advento no inicio de século passado da Teoria da Relatividade (Geral e Restrita) e, da Mecânica Quântica, ajudou a sepultar para sempre uma visão da ciência que foi fruto de um século de embevecida crença nela própria. A esta visão digo eu Requiestat In Pace!

Vê-se bem que, o positivismo não passa de uma mitologia. Quer dizer, ele é o que todas as mitologias são, uma narração – que certa sociedade toma por verdadeira –, de pretensos factos acerca de deuses, heróis e, criaturas maravilhosas, (pseudo cientistas neste caso!), que com as suas lutas épicas (combate encarniçado contra as crenças obscurantistas), explicam as razões ocultas e ultimas do mundo. Este mito, como muitos mitos traz associado a si, um rito, todo um cerimonial (no qual são excluídos os de fora), de pretensa ciência, normalmente entregue a pessoas que ou nada sabem de ciência ou, não se dão conta que fazem parte de uma verdadeira seita!

Gostava de reconhecer-me grato ao artigo seguinte.
(14 de Fevereiro de 2010)

Parte III: "A crise das meta-narrativas"


Todo este ambiente de embevecido optimismo, deu o “pontapé de saída” para um Século XX que seria o século dos “ismos”. A Humanidade parece, na primeira metade do século anterior, ter acreditado que, com a elevação da ética cientifica a um pedestal de verdadeira Ideologia Politica e Social, chegaria à tão desejada Consumação da História que parecia ser o objectivo de Auguste Conte do seu Positivismo e, do Iluminismo em geral.
Com o ruir de ideias politicas e civilizacionais antigas, como as demarcações entre impérios na Europa, surgiram conflitos terrivelmente destruidores, nos quais as capacidades cientificas não foram usadas para mais do que ceifar vidas humanas.
É minha sincera opinião, que os fascismos os comunismos e, os totalitarismo em geral, do século XX, são directíssimos herdeiros de uma ciência que se pretende não uma parte legitima da cultura ocidental do pós-renascimento (que o é!), mas doutra maneira, a única ideologia viável dos tempos modernos. Pretendeu-se que nos séculos XIX/XX a ética cientifica (no sentido positivista), constituísse o “Credo de Niceia” dos espíritos iluminados!
Aconteceu porém que, depois de goradas as expectativas dos ideólogos, tanto de direita como de esquerda, que após a Guerra que Terminaria com Todas as Guerras, viram começar outra pior, se chegou a um pós-modernismo que Jean-François Lyotard caracterizou como sendo a era da ” incredulidade em relação às metanarrativas”! As metanarrativas (ou grandes narrativas), são exactamente o que temos vindo a discutir até aqui, a noção da emancipação da humanidade como fonte de validação do discurso cientifico.
Depois de tudo, e com alguma análise crítica vemos que, a razão-panaceia não se revelou mais que razão-placebo; e, as tais luzes que ilustrariam o Homem vieram a ser afinal nada mais do que um mortiço e fugaz fogo fátuo!

20 de Fevereiro de 2010.

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